quinta-feira, 8 de abril de 2010

Astronauta que consertou Hubble relata perigos da missão

O astronauta Michael Massimino, especialista em robótica, liderou o conserto do Hubble em maio de 2009 Foto: The New York Times

O astronauta Michael Massimino, especialista em robótica, liderou o conserto do Hubble em maio de 2009

Dennis Overbye

O que passa pela cabeça de um astronauta quando as coisas saem errado, e ele está flutuando no espaço 550 km acima da Terra? No sexto dia de uma missão de reparos e reabilitação do Telescópio Espacial Hubble, em maio de 2009, o astronauta Michael Massimino, especialista em robótica e bombeiro honorário na cidade de Nova York, estava se preparando para remover um dos corrimões laterais do famoso telescópio.

Por sob o corrimão, e por trás de um painel afixado por meio de 111 pequenos parafusos, estava um espectrógrafo quebrado que precisava de reparos eletrônicos para que pudesse retomar suas funções, entre as quais a inspeção de planetas distantes em busca de sinais de vida. Massimino havia treinado por anos para essa "cirurgia de cérebro" realizada em órbita, mas primeiro, depois de remover um rebite crucialmente importante, teria de recorrer à força bruta.

Os pensamentos de Massinimo, ele relatou em recente almoço em Nova York, recuaram à sua infância e ao dia em que seu tio Frank não conseguia remover o filtro de óleo de seu carro. Em dado momento, o pai de Massinimo atravessou a rua correndo e voltou com uma chave de fendas gigante, que ele usou para furar o filtro, o que ofereceu alavanca suficiente para que a peça fosse arrancada. Depois de muito mexer a chave de fenda e de muito resmungar, "ele finalmente conseguiu tirar aquela coisa do lugar", contou Massimino. "E era isso que eu estava pensando enquanto fazia força para arrancar aquele corrimão do Hubble". Ele vem revivendo o momento em palestras e entrevistas há quase um ano. E agora, o mundo inteiro poderá fazer o mesmo.

Quando o ônibus espacial Atlantis, em missão comandada por Scott Altman, decolou de Cabo Canaveral, Flórida, além dos sete astronautas da tripulação e de milhares de quilos de ferramentas e instrumentos para substituição, estava levando uma câmera IMAX especial com peso de 261 quilos para gravar suas atividades, entre as quais o puxão cósmico de Massinimo, em 3D.

Em 19 de março, "Hubble 3D", um filme de 40 minutos sobre os reparos no telescópio espacial, dirigido por Toni Myers e narrado por Leonardo DiCaprio, estreou nos cinemas IMAX e centros científicos dos Estados Unidos.

Além de mostrar decolagens de potência capaz de abalar os ossos e as brincadeiras dos astronautas a bordo do ônibus espacial, o filme também inclui imagens capturadas pelo Hubble. Em IMAX e 3D, os cabos de conexão dos astronautas parecem roçar pelos nossos olhos em algumas cenas, e as estrelas como que pingam sobre os nossos rostos, na forma de gotas de chuva em uma tempestade de verão. Uma das cenas mostra uma imagem do Hubble que eu não havia visto até agora, a de um disco de poeira protoplanetário semelhante a um halo de cabelos, ou um ninho, cercando uma estrela recém-nascida na nebulosa de Órion - o gênese daquele sistema, provavelmente.

Na imagem final do filme, uma teia cósmica de luz formada por galáxias em larga escala, o universo parece brilhar como um cristal, emergindo das trevas. Algumas das cenas do filme foram convertidas a 3D com o uso de truques digitais, explicou Myers, mas cerca de oito minutos foram gravados usando um único rolo de 1,6 mil m de filme pela câmera instalada no compartimento de carga do ônibus espacial e operada remotamente pelo piloto Gregory Johnson.

Gravando imagens esquerda e direta em quadros alternados do filme que percorre lateralmente a câmera em ritmo de 48 quadros por segundo, oito minutos representavam o limite máximo de tempo que o equipamento era capaz de capturar. A equipe da IMAX passou muito tempo com os membros da tripulação enquanto estes ensaiavam a missão em um tanque de água, para garantir que eles capturassem as imagens dos momentos mais importantes. O filme resultante, disse Myers, é a culminação de 25 anos de operação de câmeras IMAX em voos do ônibus espacial, e do treinamento de mais de 100 astronautas em como utilizá-las.

O filme transformou Massimino em uma espécie de astro de mídia; ele é visto não apenas consertando o telescópio mas conduzindo entrevistas brincalhonas e amistosas com seus colegas de tripulação. O astronauta também tem viajado para promover o filme, e recentemente foi convidado para tocar o sino de encerramento do pregão da bolsa de valores de Nova York.

Massimino nasceu em 1962 e cresceu em Franklin Square, Long Island, a cerca de três quilômetros de Queens. Filho de um inspetor do serviço de bombeiros da cidade de Nova York, ele é o tipo de astronauta que faria coisas como levar consigo ao espaço a placa base do Shea Stadium. Sua inspiração para se inscrever no programa espacial, disse ele, foi a camaradagem entre os astronautas mostrada em "The Right Stuff", de 1983, baseado em um livro de Tom Wolfe.

"Havia algo sobre sua proximidade e a maneira pela qual eles defendiam uns aos outros que capturou minha atenção", ele conta. "Meu interesse real não era voar, mas a camaradagem entre um grupo de pessoas, e estar lá em cima e poder ver a Terra".

Procurando uma forma de ingressar no programa, Massimino se matriculou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e conquistou um doutorado em robótica em 1992. Ele conseguiu admissão na Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) em 1996, e teve a sorte de ser escalado para a quarta missão de reparos do Hubble, em 2002, na qual saiu duas vezes ao espaço. Levou com ele diversas recordações do serviço de bombeiros e da Port Authority de Nova York, para honrar as vítimas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

A missão de maio passado, a última para a manutenção do Hubble, reuniu Massimino e alguns de seus colegas de tripulação de 2002, entre os quais Altman, também comandante naquela ocasião, e John Grunsfeld, um veterano no reparo do telescópio espacial. Entre os deveres de Massimino estava o de se tornar a primeira pessoa a usar o Twitter no espaço.

Realizar entrevistas em vídeo durante o voo foi ideia dele, contou o astronauta, inspirada pela queixa de um colega de tripulação de que as entrevistas da Nasa com os astronautas costumavam ser secas demais. A camaradagem e o humor que existem no relacionamento das tripulações não eram reveladas. "Nós somos engraçados e consertamos coisas, mas somos retratados como pessoas secas. Queria que os espectadores nos vissem como gente comum".

"Para mim foi uma tarefa fácil, era só filmar e enviar", disse. Quando o Atlantis decolou, em 11 de maio, o Hubble estava em mau estado. e tinha em funcionamento apenas uma câmera de 17 anos de idade e um roteador alternativo. Cinco saídas ao espaço estavam programadas e nenhuma delas foi fácil, apesar dos anos de treinamento e dos avanços da engenharia.

Um mau momento aconteceu sem a presença de câmeras, durante a primeira saída de Massimino ao espaço na missão. Enquanto ele estava procurando no compartimento de carga por um giroscópio espacial para substituir um modelo que não se encaixava, ele levava nos ombros uma estrutura que servia de apoio a um cabo de energia, que seria utilizado para acionar os reparos da principal câmera do Hubble, a Câmera Avançada de Levantamento.

"De algum modo, o gancho se soltou", ele recorda. "Quando olhei para cima, lá estava a estrutura de apoio toda escapando para o espaço". O ônibus espacial não estava transportando um substituto para esse equipamento; Massimino conseguiu apanhá-lo em tempo, e sem isso a câmera não poderia ter sido reparada.

Mas o pior momento para o astronauta veio dois dias mais tarde, no entanto, quando não conseguiu desparafusar o último rebite que segurava no lugar o corrimão, e com isso não podia desimpedir o acesso ao espectrógrafo que precisava de conserto. "Foi um pesadelo para mim", ele conta. "Estava me sentindo muito mal".

"A nossa possibilidade de encontrar vida em outros planetas ficaria reduzida a zero sem o conserto", acrescentou. Por sorte, quando ele fez força e arrancou o corrimão, a peça saiu. "Saí da maior tristeza para a maior alegria que já senti do lado de fora de uma nave espacial", conta.

No final, a missão teve completo êxito. Semanas depois que o telescópio foi reparado e manobrado para uma nova posição, uma das novas câmeras instaladas no Hubble registrou imagens das galáxias mais distantes já vistas, de uma era apenas 500 milhões de anos posterior ao Big Bang. Com o programa do ônibus espacial a caminho da aposentadoria, este ano ou em 2011, Massimino diz que não existe muita chance de que ele volte em breve ao espaço.

Ver a Terra do espaço era sua atividade favorita, disse, e assistir ao filme permite que rememore. "Foram os momentos mais memoráveis da minha vida. Não quero esquecer", diz. O corrimão teimoso? Massimino diz que agora ele está em um escritório do Centro de Voo Espacial Goddard, em Greenbelt, Maryland, onde trabalham os engenheiros que cuidam do Hubble. "Eles me deixaram ficar com a peça por um dia, mas tive de devolvê-la", conta Massimino.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
The New York Times

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