quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pedras trazidas da Lua há quase 40 anos ainda mostram segredos

No laboratório, as pedras lunares parecem corriqueiras - basalto cinza escuro, um mineral esbranquiçado conhecido como anortosito e misturas desses dois materiais com o acréscimo de cristais. Mas, passados quase 40 anos do pouso dos astronautas do Programa Apollo na Lua, as porções da Lua que eles trouxeram à Terra continuam a revelar aos cientistas segredos sobre o satélite. » Veja mais fotos das pedras da Lua

"Nós chamamos esta pedra de 'rocha gênese', porque ela se formou mais ou menos na época em que a Lua se solidificou, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás", diz Carlton Allen, apontando para uma pedra clara, do tamanho e forma de um apagador, que repousa em uma caixa de vidro cheia de nitrogênio inerte.

"Sabemos que o Big Bang aconteceu 14,5 bilhões de anos atrás", disse Allen, "e esta rocha tem um terço dessa idade. Não se pode encontrar matéria sólida mais velha, em nosso sistema solar".

Allen é curador de astromateriais no Centro Espacial Johnson, que abriga o Laboratório de Amostras Lunares, uma instalação segura inaugurada em 1979 para abrigar 382 quilos de pedras e amostras de solo lunares recolhidas pelos astronautas norte-americanos em seis visitas.

As pedras obtidas na superfície lunar, que ficaram inalteradas, preservadas em um vácuo desde sua formação, oferecem oportunidades de investigação da origem e evolução do sistema solar que não estão disponíveis em qualquer outro lugar, e o estudo se aprofunda com cada nova geração de cientistas e instrumentos científicos.

A cada ano, um conselho de avaliação científica considera novas propostas de pesquisa, e os curadores enviam cerca de 400 amostras lunares a entre 40 e 50 cientistas de todo o mundo. Quase todas elas têm menos de um grama de peso. "Não as distribuímos; apenas emprestamos", afirma Allen. "Não prevemos que nosso estoque se esgote".

Ao longo dos anos, as amostras permitiram muitas observações originais sobre o nosso vizinho astronômico mais próximo. Com base nas amostras, aprendemos quando a Lua foi formada, provavelmente como resultado (embora continue a haver controvérsias a respeito) do choque entre um planetóide e a Terra em sua juventude, o que arremessou ao espaço uma nuvem de destroços que se congregaram para formar a Lua.

As amostras confirmaram que impactos de asteróides e meteoros, e não atividade vulcânica, criaram a vasta maioria das crateras que definem a topografia lunar, enquanto uma barragem constante de meteoritos, micrometeoritos e radiação levou ao derretimento do leito rochoso, criando um cobertor de poeira e terra solta - conhecido como rególito - que recobre a superfície lunar.

E conhecer a idade das rochas lunares, que pode ser calculada com precisão da ordem de 20 milhões de anos, permitiu que os cientistas estabeleçam uma norma de comparação que permite que datem as características geológicas do Sistema Solar. A superfície da Terra, uma das mais jovens topografias do sistema, está mudando constantemente, em resultado de falhas, dobras, movimentos e acomodações causados por erupções, terremotos e explosões. Em contraste, a Lua apresenta uma das topografias mais antigas. "É difícil conceber intelectualmente um lugar onde nada acontece", diz Allen. "Mas é isso que a Lua é".

Nos últimos anos, as rochas ajudaram os pesquisadores a responder a questões práticas surgidas depois que o presidente Bush lançou, em 2004, propostas que levariam a um retorno à Lua, em 2020, com o estabelecimento de uma base permanente. Os planejadores estão usando as rochas para estudar o efeito pernicioso do rególito sobre as máquinas e a saúde dos astronautas. Eles estão aprendendo como extrair oxigênio e outros elementos vitais das rochas e terra lunares. E precisam compreender de que maneira proteger os espaços de habitação contra a mortífera radiação que atinge a superfície da Lua sem descanso.

As amostras - um total de 2,2 mil - são mantidas em caixas cheias de nitrogênio, em um cofre de aço inoxidável localizado no segundo piso do laboratório de 1,2 mil metros quadrados, e são transferidas a outras porções do edifício por um sistema de tubos de ar comprimido. Os técnicos preparam o material para remessa usando caixas dotadas de aberturas equipadas com luvas, usando ferramentas e recipientes esterilizados.

As amostras são numeradas e separadas com base nas missões que as recolheram. Todas as missões Apollo que pousaram na Lua, a começar da Apollo 11, em 1969, e até a Apollo 17, em dezembro de 1972, pousaram em locais equatoriais, mas o terreno era diferente em cada caso, e as amostras refletem as diferenças. A rocha-gênese foi recolhida pelos astronautas da Apollo 15 perto de Hadley Rille, no limite entre um dos "mares" - depressões no terreno - lunares e o altiplano.

A chegada das primeiras pedras da Lua, em 1969, era muito aguardada pelos cientistas. "Não tínhamos idéia do que a Lua era feita", relembra Allen, e as duas primeiras décadas de pesquisa se concentraram nas questões básicas - a idade e composição das pedras lunares e a origem e evolução da geologia e dos traços topográficos salientes da Lua.

A Lua se desenvolveu inicialmente como uma bola de magma quase líquida, coberta por uma fina camada de minerais mais leves. A crosta se tornou o anortosito branco, que flutuava por sobre o magma e veio a formar os altiplanos. O basalto irrompeu posteriormente e se solidificou mais tarde nos mares, mais baixos.

O anortosito e outras rochas semelhantes nos altiplanos e a lava de basalto nos mares são os componentes básicos da Lua. Outras rochas são conhecidas como "breccias" - rochas esmagadas e quebradas, fundidas pelo calor das colisões de impacto e ejetadas das crateras resultantes.

Os pesquisadores afirmam que os altiplanos apresentam mais crateras que os mares. Isso significa que tenham sofrido mais impactos, de modo que as rochas dos altiplanos são relativamente mais velhas. Mas quando obtiveram amostras das rochas puderam determinar sua idade absoluta em anos.

Isso permitiu que eles criassem uma referência aplicável a qualquer outra parte do Sistema Solar. A Lua demonstrou que um local com rochas de uma determinada idade teria número previsível de crateras de dimensões diferentes. E já que o ritmo de impacto é provavelmente semelhante em todo o sistema, as datas lunares poderiam ser usadas como referência para estimar a idade de superfícies em outros astros.

"Isso foi muito importante - determinar que os impactos são um fenômeno significativo e fundamental com efeito não só sobre a Lua e os planetas mas sobre a vida em si", diz Paul Spudis, geólogo planetário do Instituto Lunar e Planetário de Houston. "Nós sabíamos que impactos aconteciam, mas até que as rochas fossem obtidas os considerávamos como acidentes geológicos".

Isso mudou. No começo dos anos 80, os cientistas conseguiram demonstrar que depósitos de minerais e cristais terrestres com 65 milhões de anos de idade eram bastante semelhantes aos encontrados rotineiramente na amostras lunares. Isso resultou na teoria, hoje amplamente aceita, de que o impacto de um asteróide contra a Terra resultou na extinção dos dinossauros.

Os cientistas lunares agora acreditam que essa percepção possa ter implicações ainda mais amplas. Análises de amostras e crateras de impacto lunares demonstraram que a superfície da Lua era sólida 4,3 bilhões de anos atrás, mas as rochas de impacto mais antigas encontradas entre as amostras tinham 3,9 bilhões de anos.

Alguns pesquisadores sugeriram que os impactos sobre a Lua começaram a escassear 4,3 bilhões de anos atrás, e depois foram retomados de forma violenta em um "cataclismo" ocorrido 400 milhões de anos à frente. E, caso esse cataclismo tenha afetado a Lua, ele com certeza afetou a Terra ¿e no período em que a vida estava apenas começando.

"Isso é muito controverso", diz Charles Shearer, cientista lunar na Universidade do Novo México e presidente do comitê de revisão científica do laboratório. "É importante que obtenhamos amostras de outros terrenos".

E isso explica em parte os atrativos do projeto lunar de Bush, que planeja uma base perto do pólo sul da Lua e a exploração de toda a superfície do satélite, incluindo a face oculta. São possibilidades "que realmente entusiasmam a classe científica", diz Allen.

Bem, nem todo mundo. "É muito difícil justificar a Lua como meta primária de um programa espacial tripulado - não há muito de novo a descobrir", disse Robert Zubrin, presidente da Sociedade Marte e crítico da exploração lunar renovada. "Se queremos um desafio, Marte é o melhor. Ou pretendemos inspirar a juventude atual repetindo os feitos de seus avós?"

Um desses avós é Lawrence Taylor, 70, geólogo lunar e especialista em rególito na Universidade do Tennessee. Ele desenvolveu maneiras de extrair oxigênio da poeira lunar e, com base no conhecimento de que o rególito contém minério de ferro, patenteou um método que permite transformá-lo em vidro, por microondas. O material seria usado como revestimento para locais de pouso de espaçonaves ou estradas.

"Muita gente me procura, agora", disse Taylor. "Antes, as pessoas me contactavam apenas por curiosidade, mas agora estou em posição de destaque na comunidade científica".

Rocha lunar é exibida no Instituto Lunar e Planetário em Houston, Texas.

Rocha lunar é exibida no Instituto Lunar e Planetário em Houston, Texas.

Tradução: Paulo Migliacci ME

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