sábado, 31 de maio de 2008

Ciência busca respostas para a energia escura

Tudo que sobe precisa descer. Pouca gente na Terra discutiria essa lei fundamental da gravidade. Mas há exatos 10 anos, em maio, a revista científica Astronomical Journal aceitou para publicação um estudo teórico que revelava a existência do lado escuro da força. Por décadas, existia entre os físicos a convicção de que a gravidade deveria estar fazendo com que o ritmo de expansão do universo se retardasse.

"Quando lanço minhas chaves para o alto, a gravidade da Terra faz primeiro com que sua velocidade de ascensão se reduza, e depois que caiam de novo em minha não", disse Mario Livio, físico teórico no Instituto de Ciência do Telescópio Espacial (STScI), em Baltimore, Maryland, Estados Unidos.

Mas o estudo, acompanhado por um segundo trabalho que propunha a mesma idéia independentemente e foi publicado no mesmo ano, demonstrava que o ritmo de expansão do universo estava na verdade se acelerando. A observação, de acordo com Livio, propunha um cenário no qual era como "se as chaves subitamente disparassem com velocidade cada vez maior na direção do teto". Os cientistas atribuíram esse fenômeno à ação de uma energia escura, uma força que supostamente repele a gravidade. Ainda mais surpreendente, medições demonstram que a energia escura parece responder por cerca de 74% da substância do universo.

Passada uma década, um novo conjunto de experiências pode servir para dirimir as dúvidas sobre as propriedades da energia escura e resolver aquilo que alguns especialistas classificam como "o mais profundo problema" da física moderna.

"Estamos falando de um trabalho científico que é capaz de mudar completamente a maneira pela qual o jogo da ciência vem sendo travado", disse Michael Turner, cosmologista da Universidade de Chicago, a uma platéia repleta de estudiosos, durante o Simpósio "Uma Década de Energia Escura", promovido pelo STScI. "Nós estamos avançando de estabelecer a existência do fenômeno para averiguar sua causa subjacente", ele disse. "Não estamos nem perto do ponto em que seria possível começar a ignorar as pesquisas sobre a energia escura".

Energia no vácuo
Até agora, um dos maiores desafios para os pesquisadores da energia escura é combinar o resultado das observações às formulações teóricas. "Nós temos duas explicações conhecidas, e completamente insatisfatórias", disse Turner.

Uma possibilidade é que não exista a energia escura, e que a gravidade funcione de maneira diferente da que os cientistas supõem. Mas "os físicos são conservadores. Não queremos jogar no lixo a nossa teoria da gravidade quando talvez ainda seja possível remendá-la", afirmou Adam Riess, cosmologista do STScI e principal autor de um dos estudos que indicavam a existência da energia escura.

"Em termos básicos, tudo se resume ao fato de que temos uma única equação, relativamente simples, com a qual trabalhamos para descrever o universo", disse Riess. "Porque descobrimos esse efeito a mais, podemos atribuir a responsabilidade por ele à porção esquerda da equação, e afirmar que não compreendemos a gravidade, ou à porção direita da equação, e afirmar que deve existir alguma coisa a mais que o explique".

"Essa coisa mais - e o principal candidato a uma explicação para a energia escura - é a energia do vácuo quântico. A idéia está vinculada à mecânica quântica, que prevê que mesmo no vácuo do espaço partículas constantemente piscam entre a existência e a inexistência, gerando energia", ele diz.

O problema é que ninguém até agora conseguiu unificar a matemática utilizada na mecânica quântica, que descreve as condições físicas do mundo do muito pequeno, com as equações da relatividade geral, que lida com interações em larga escala.

"As duas teorias operam com livros de regras diferentes, e sempre soubemos que os dois livros eram incompatíveis", afirma Riess. "A energia escura é um dos poucos casos existentes na natureza cujo estudo nos força a utilizar ambos os conjuntos de regras". O cálculo quântico, porém, prevê que a quantidade de energia de vácuo existente no universo deveria ser pelo menos 100 ordens de magnitude superior à que foi observada até o momento.

Luz distendida
Para ajudar a resolver o enigma, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) e o Departamento da Energia dos Estados Unidos em breve anunciarão a primeira etapa da Missão Conjunta da Energia Escura, conhecida como JDEM, o primeiro programa projetado especificamente para estudar a energia escura. Um pedido de propostas para a construção de sondas espaciais será apresentado este ano, e uma decisão quanto ao modelo vencedor deve ser tomada em 2009, disse Michael Salamon, diretor científico do programa Física do Cosmos, na Nasa.

Salamon também enfatizou que as atuais missões da Nasa já vêm desempenhando papel importante na mensuração da energia escura. "Por exemplo, o Telescópio Espacial Hubble vem influenciando o estudo da energia escura ao conduzir medições sobre o comportamento das supernovas", ele afirma.

Os pesquisadores observaram inicialmente a aceleração no ritmo de expansão do universo por meio do estudo de supernovas do Tipo Ia ¿ as mortes explosivas de estrelas anãs brancas. Os astrônomos sabem que todas as explosões de estrelas Ia têm brilho semelhante. À medida que a luz das explosões mais distantes viaja em direção à Terra, ela se distende devido à expansão do universo, e isso faz com que pareça vermelha. O fenômeno é conhecido como desvio vermelho, e quanto maior for o desvio vermelho, mais longa terá sido a viagem da luz e mais distante no tempo a detonação da supernova.

Examinar o maior número possível de supernovas pode ajudar os pesquisadores a medir a velocidade com as galáxias se afastam umas das outras. Os estudos sobre supernovas permitiram que os cientistas percebessem que a energia escura vêm exercendo impacto sobre as galáxias já há nove bilhões de anos. Outros grupos estão à procura de pistas ainda mais antigas, no pano de fundo de radiação cósmica do universo, a radiação remanescente do Big Bang, que deu origem ao universo cerca de 13,7 bilhões de anos atrás. Em 2003, a Sonda Wilkinson de Isotropia de Microondas, da Nasa, produziu o primeiro mapa completo da presença inicial de microondas no firmamento, oferecendo detalhes sem precedentes. O trabalho da sonda revelou pequenas oscilações de densidade que são as sementes das galáxias atuais, disse Licia Verde, astrofísica do Instituto de Ciências Espaciais de Bellaterra, Espanha, durante o simpósio.

"Trata-se de uma sinfonia cósmica. Você na verdade está vendo som, e o som pode ajudar a compreender de que maneira o instrumento que o produz foi construído", disse Verde. E, em 2005, astrônomos descobriram que ondas sonoras que varreram o plasma primordial 400 mil anos depois do Big Bang deixaram suas impressões nas galáxias próximas modernas. Essas chamadas oscilações acústicas bariônicas oferecem outro parâmetro para avaliar o ritmo de expansão do universo ao longo do tempo, e para definir os limites quanto ao valor numérico da energia escura.

Novas janelas Em última análise, serão necessários dados obtidos por uma grande combinação de métodos a fim de ajudar a deslindar o mistério, dizem os especialistas.

"O nome do jogo é realizar mais mensurações sobre a história da expansão do universo, e tornar cada uma delas mais e mais precisa, adotando um modelo mais firme para a compreensão de como funciona a energia escura", disse Riess, do STScI.

Um dos objetivos essenciais das experiências que serão realizadas é medir a relação entre a densidade da energia e a pressão no universo, denotada pela letra w. Esse valor informa aos físicos "que espécie de gravidade tem um objeto", disse Riess. "Caso a energia escura seja a energia do vácuo quântico, então w será sempre, e exatamente, menos um", uma constatação que permitiria encontrar a equivalência matemática entre as previsões da mecânica quântica e a teoria da relatividade geral. De outra maneira, talvez tenha chegado a hora de redefinir as regras.

Lawrence Krauss, físico teórico na Universidade Case Western Reserve, apontou no simpósio o fato de que a maioria das observações, no momento, indica valor bem próximo de menos um para w. Para os teóricos, ele brincou "medir w... não vai, portanto, nos dizer nada que já não saibamos muito bem". Mas "novas janelas nos mostram novas surpresas. É preciso fazer tudo que se puder fazer, porque não há como determinar com antecedência de onde a resposta virá".

Supernova: medições sobre seu comportamento influenciam o estudo da energia escura
Supernova: medições sobre seu comportamento influenciam o estudo da energia escura

Tradução: Paulo Micgliacci ME

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