sábado, 24 de maio de 2008

Nave está pronta para pouso arriscado em Marte

Para chegar ao gelo, é preciso primeiro atravessar o fogo. Uma espaçonave que está concluindo agora a jornada de nove meses entre a Terra e Marte precisa sobreviver à temperatura elevada da entrada na atmosfera e à arriscada aterrissagem no planeta vermelho, para conquistar o direito a escavar o solo marciano em seu local de pouso, em busca de água em forma gélida supostamente existente por sob uma planície ártica do planeta.

Depois de uma jornada de 675 milhões de quilômetros desde o seu lançamento, em, 4 de agosto, a Phoenix Mars Lander, da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), tem seu pouso marcado para domingo, nas inexploradas regiões setentrionais do planeta. Mas, primeiro, precisa sobreviver ao que os criadores da espaçonave definem como "sete minutos de terror", a fim de atingir a superfície.

"Há muitos, muitos riscos e incertezas", disse Edward Weiler, administrador associado da Nasa, e encarregado de sua divisão científica. Desde que começaram as missões de exploração ao planeta, 55% das espaçonaves enviadas para pouso em Marte fracassaram, ele disse.

Ainda que a Phoenix, uma nave criada com uma mistura de componentes de duas missões fracassadas anteriores, tenha sido testada diversas vezes para verificar e corrigir todas as falhas de projeto e potenciais erros conhecidos, disse Weiler, "há sempre os desconhecidos que desconhecemos".

Se tudo correr como planejado, a espaçonave vai aterrissar na Vastitas Borealis, a planície ártica de Marte, que ocupa posição semelhante à que o norte do Canadá ocupa na Terra, cerca de 15 minutos antes que o controle da missão receba confirmação, às 19h53, horário da costa leste norte-americana. A primeira imagem a ser enviada pela nave, supostamente a de seus painéis solares estendidos, deve chegar cerca de duas horas mais tarde, dizem os diretores da missão.

Barry Goldstein, gerente do projeto Phoenix no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena, Califórnia, disse que, para ele, a parte mais assustadora da viagem começará cerca de 14 minutos antes do pouso, quando o aparelho chegar ao limite da fina atmosfera marciana, ejetar o estágio de cruzeiro que a conduziu desde a Terra e passar por três minutos de silêncio enquanto manobra para voltar na direção de Marte o seu escudo defletor de calor.

Depois, a sete minutos do pouco, a Phoenix terá mergulhar na atmosfera a uma velocidade de 20,5 mil km/h; a fricção fará com o aparelho perca velocidade, mas o escudo de calor será submetido a temperaturas de até 1.420 graus. A 12,8 mil metros de altitude, e a uma velocidade de 1,6 mil km/h, a espaçonave vai acionar seu pára-quedas para uma descida de cerca de três minutos, período no qual ejetará o escudo de calor, estenderá suas três pernas de aterrissagem e começará a empregar o radar para obter leituras sobre sua velocidade e a distância que a separa da superfície.

A uma distância de um quilômetro da superfície, e velocidade de 200 km/h, a Phoenix abandonará seu pára-quedas e a estrutura de apoio que o sustenta e iniciará o disparo seqüencial de 12 foguetes de empuxo que reduzirão sua velocidade para 10km/h, 40 segundos mais tarde.

Faz 32 anos que a Nasa, com as duas espaçonaves do projeto Viking, em 1976, pousou um aparelho em Marte usando foguetes para desacelerar a descida. A última tentativa de pousar usando esse método fracassou, em 1999, quando a Mars Polar Lander caiu devido à desativação prematura de seus foguetes de empuxo.

A Mars Pathfinder, que foi enviada ao planeta posteriormente, e os veículos de exploração de superfície Opportunity e Spirit, que operam há três anos na região equatorial do planeta, pousaram sobre sacos de ar que amortecem o impacto. Goldstein disse que esse método não é viável para naves pesadas como a Phoenix, porque o peso adicional que os sacos de ar reforçados implicariam reduziria seriamente a carga científica da missão.

Ao contrário dos veículos de exploração dotados de rodas, a Mars Phoenix Lander vai ficar imóvel e escavar o solo do planeta em busca de provas de existência de água e de outras condições que poderiam ter sustentado formas primitivas de vida.

Ainda que existam amplas indicações de que Marte dispunha de água em sua superfície bilhões de anos atrás ¿ em alguns casos, os indícios sugerem que água pode ter corrido por canais e gargantas nos últimos milhões de anos ou até ainda mais recentemente -, as condições atuais, entre as quais uma atmosfera com densidade equivalente a 1% da terrestre, não permitem água em forma líquida, disseram os cientistas. Mas os instrumentos da Mars Odissey, um veículo orbital de exploração, descobriram em 2002 que há muita água em forma de gelo pouco abaixo da superfície, em boa parte das regiões marcianas de latitude mais elevada.

A área alvo de pouso da Phoenix, esquadrinhada de maneira detalhada por uma câmera de alta resolução instalada no Mars Reconnaissance Orbiter, outro veículo de exploração orbital, é uma região de tundra, com poucas rochas ou encostas íngremes capazes de ameaçar o pouso, disse Ray Arvidson, da Universidade Washington, em St. Louis, presidente do grupo de trabalho que selecionou o local de pouso. "Trata-se de uma das áreas menos rochosas de Marte", ele disse.

Peter Smith, da Universidade do Arizona, o diretor científico da missão orçado em US$ 420 milhões, disse que a área ficava coberta de gelo polar, no inverno, mas que a espaçonave pousaria no começo do verão, quando a superfície está em larga medida livre de cobertura e exposta para estudo. O veículo de aterrissagem pesa 350 quilos, e a carga científica é 55 quilos. O plano é que passe pelo menos três vezes examinando a superfície em seu local de pouso, com a ajuda de um braço robotizado capaz de escavar buracos.

A Phoenix leva este nome por conta do mitológico pássaro que renascia das próprias cinzas, já que a espaçonave é feita de componentes de duas missões anteriores de exploração a Marte. A espaçonave usa o esqueleto e alguns instrumentos da Mars Surveyor, de 2001, uma espaçonave que pousaria no planeta mas teve sua missão cancelada devido a estouros de orçamento e prazo, e muitos instrumentos que reproduzem os utilizados no veículo de pouso Mars Polar Lander, que fracassou em sua tentativa de pousar em solo marciano.

Smith disse que cientistas e engenheiros vasculharam todo o estoque de componentes descartados, peça por peça, e localizaram duas falhas potencialmente fatais e capazes de ameaçar a missão; ambas foram corrigidas. "Nós refizemos completamente a engenharia do aparelho, sem reconstrui-lo", disse ele. "Acreditamos que seja tão bom quanto possível".

Caso a Phoenix sobreviva ao seu pouso, ela aguardará por 20 minutos para que os detritos na área se assentem antes de estender dois conjuntos circulares de painéis solares cuja largura chegará a 5,40 metros. Depois, duas câmeras coloridas estereoscópicas serão estendidas em um mastro com 2,10 metros de altura, a fim de registrar imagens panorâmicas do ambiente. Em seguida, um mastro de 1,20 metro que carrega sensores de temperatura, vento e outros se estenderá de uma estação meteorológica de bordo que foi desenvolvida para a missão pela Agência Espacial Canadense.

A espaçonave, esterilizada para impedir contaminação por organismos terrestres, usará seu braço robotizado de 2,30 metros como escavadeira, a fim de abrir uma série de trincheiras com mais de 20 centímetros de profundidade. Depois, o braço utilizará uma espécie de colher metálica para penetrar a superfície dura do planeta e recolher amostras das camadas inferiores, disse Smith.

Usando a câmera instalada na ponta do braço robotizado, os cientistas poderão selecionar amostras para estudo mais detalhado a bordo da espaçonave. Uma das experiências que serão conduzidas envolve amostras que serão despejadas em funil e alimentarão oito pequenos fornos de uso único. Cada forno tem comprimento de pouco mais de um centímetro e diâmetro de três milímetros. A amostra será aquecida lentamente até a temperatura de 980 graus, para estudar a transição de sólido a líquido e gás, e os vapores libertados serão analisados por um espectrômetro de massa a fim de medir a massa e a composição das moléculas específicas.

O laboratório também conterá dois microscópios para examinar a estrutura fina do solo e amostras de gelo, avaliando características minúsculas, com dimensões da ordem de um milionésimo da espessura de um cabelo humano, que possam oferecer provas da presença passada de água em forma líquida, no planeta. A Phoenix foi projetada para operar no verão de Marte, mas os cientistas esperam que ela possa sobreviver até pelo menos a metade de novembro. O inverno traz meses de escuridão e não haverá energia para proteger a espaçonave contra um congelamento profundo fatal, antes do retorno do Sol, disseram eles.

"É extraordinariamente improvável que o veículo venha a sobreviver", disse Goldstein, o diretor do projeto. Mas, na improvável hipótese de que o sol de primavera recarregue suas baterias, no ano que vem, disse ele, os computadores estão programados para sinalizar ao controle de missão que a espaçonave ressuscitou.

Ilustração mostra a Phoenix momentos antes do pouso
Ilustração mostra a Phoenix momentos antes do pouso

Tradução: Paulo Migliacci ME

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