segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Astrônoma da Nasa conta segredos do Hubble e de planetas

Heidi Hammel, 48, astrônoma planetária formada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), tem duas missões profissionais. A primeira é aprender tudo que puder sobre Netuno e Urano, dois gigantes gelados. A segunda é comunicar os conhecimentos sobre o espaço aos cidadãos comuns.

Em 1994, quando o cometa Shoemaker-Levy 9 colidiu contra Júpiter, Hammel era a líder da equipe que analisou as fotos do evento obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble. Também servia como representante da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), explicando o aspecto científico do caso a audiências televisivas em todo o mundo. Conversamos em sua casa, em Ridgefield, Connecticut, e mais tarde pelo telefone. Eis uma versão editada das conversações.

A Nasa está preparando uma missão que reparará o Hubble pela última vez. Depois, caso ele deixe de funcionar, será abandonado sem manutenção para morrer no espaço. Isso a incomoda?
Olha, por mais que eu ame o Hubble, é hora de construir novas ferramentas para observar as coisas.

Estou trabalhando com a equipe de planejamento do próximo grande telescópio espacial norte-americano, o James Webb, que deve ser lançado em 2013. O Webb conseguirá registrar imagens de regiões do universo que são simplesmente inacessíveis ao Hubble.

Ele será maior e poderá captar porções do espectro que o Hubble não enxerga. Com o Webb, temos o potencial de responder a perguntas sobre as origens de mais ou menos tudo no universo.

Por que é preciso escolher entre Hubble e Webb? Por que os astrônomos não podem ter os dois?
Não há dinheiro suficiente para tudo. O Hubble já durou muito mais do que a maioria das pessoas esperava. Não pretendíamos que ele durasse para sempre.

Vamos falar sobre a sua ciência. A senhora vê astrônomos como detetives ou como repórteres investigativos?
Creio que todo cientista é uma espécie de detetive. Ficamos felizes ao descobrir alguma coisa que não se enquadra às nossas expectativas.

Meu trabalho muitas vezes envolve analisar imagens de planetas obtidas pelo Hubble ou por telescópios instalados em Terra, como o Keck, no Havaí.

Se vejo algo que não se enquadra àquilo que já sabemos, a primeira coisa que experimento tento é tentar descobrir o que existe de errado com os dados. Se você o faz e a observação continuar a parecer errada, é aí que as coisas começam a ficar interessantes.

A senhora pode me contar um exemplo disso em suas pesquisas?
Em 1989, quando a Voyager 2 passou por Netuno, vimos pela primeira vez um grande ponto escuro no hemisfério sul do planeta. Eu recorri a um telescópio terrestre para observação em tempo real, e o ponto escuro não estava visível. Eu só conseguia ver três nuvens brilhantes no local em que ele deveria estar.

Depois, em 1993, observei Netuno de novo e os pontos brilhantes estavam todos nos hemisfério norte. Um ano mais tarde, o Hubble obteve imagens de Netuno, e nelas o ponto escuro do sul tinha claramente desaparecido. Não voltou ainda. Não sabemos o motivo.

Mas descobrimos algo importante: que Netuno era capaz de mudar dramaticamente em cinco anos.

Sua especialidade é Netuno e Urano, que muitos consideram como os planetas mais chatos do Sistema Solar. Por que escolher astros com tão pouco carisma?
Não são chatos. Mudam muito. Mas não podemos dizer que sejam os humoristas do sistema. Ninguém os respeita muito. São conhecidos como "gigantes gelados". Mas são ótimos para um pesquisador, porque ficam nos limites externos do sistema e são menos estudados que os planetas mais próximos. Por isso, sempre que faço uma observação, o que estou registrando é completamente novo.

Estamos reescrevendo os manuais sobre Urano. As observações recentes contrariam hipóteses do passado. Pensávamos na atmosfera de Urano como morta, mas ela não está morta.

Ainda que não seja um dos seus planetas, a senhora tem acompanhado as notícias recentes sobre Marte?
Sim. São muito animadoras. A terra é boa. Existe gelo. Pode haver lugares em que o gelo seja mais acessível. Significa que não existem motivos físicos que nos impeçam de colonizá-lo, se o destino da humanidade assim requerer.

Por fim somos capazes de detectar do que Marte é feito.

Tento acompanhar as descobertas em Marte porque, em certo nível, o Sistema Solar é uno. Coisas que acontecem em uma parte dele são relevantes para as demais. A química da superfície de Marte permite que conheçamos a química de outras partes do Sistema Solar.

Estamos nos aproximando de descobrir possível vida fora do Sistema Solar?
A questão se tornou divertida agora que estamos descobrindo planetas em órbita de outras estrelas. Meu computador tem um programa que computa quantos novos planetas foram localizados fora do Sistema Solar. O total já ultrapassa 300. A maioria deles foram localizados nos últimos anos, e o ritmo de descoberta vem se acelerando.

Temos de avançar passo a passo. O primeiro passo é encontrar um planeta com tamanho semelhante ao da Terra, à distância correta de sua estrela para que água tenha existido em forma líquida por período suficiente para permitir vida na forma como a conhecemos.

A próxima questão seria determinar como podemos dizer se existe vida presente, se o planeta estiver distante demais para que o possamos fotografar. Teremos de estudar a química atmosférica e procurar sinais de que ela foi modificada presença de vida. Essa seria a pista.

Como a senhora desenvolveu seu talento para explicar ciência a leigos?
Meu tio Larry foi meu modelo de teste. Quando eu era estudante, ia para casa nos feriados e, nos intervalos do jogo de futebol americano ele me perguntava em que eu estava trabalhando. Sabia que só dispunha de 30 segundos para explicar àquele cara que trabalhava em uma fábrica de caminhões o que eu fazia.

Ele queria só o quadro geral. E eu respondia rapidamente que usava grandes telescópios para localizar planetas e descobrir do que eles são feitos. Todo cientista deveria ser capaz disso.

A senhora faz astronomia trabalhando de casa. Como consegue?
Basta ter computadores e uma rede rápida. Eu tenho um computador conectado à Internet e outro isolado. Um é para análise de dados e outro para e-mails.

Como a senhora impede que seus três filhos atrapalhem seu trabalho?
Eles e meu marido tiveram de aprender que, quando fecho a porta, fica fechada. E eu tive de aprender a priorizar. É preciso organizar o tempo e antecipar os problemas inevitáveis que as crianças encontram.

Se uma proposta precisa chegar à Nasa na sexta, melhor completá-la na quarta, porque quinta alguém pode aparecer com febre ou piolhos.

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