domingo, 30 de novembro de 2008

Lado negro do universo é detectado por cientistas

A concatenação de resultados enigmáticos de uma sopa alfabética de satélites e experimentos levou um grande número de astrônomos e físicos a suspeitar que estão recebendo sinais de um universo paralelo de matéria escura que compõe cerca de um quarto da criação, mas se esquivou de detecções diretas até agora. Talvez.

"Ninguém sabe realmente o que está acontecendo," disse Gordon Kane, teórico da Universidade de Michigan. Físicos alertam que ainda poderia haver uma explicação astronômica relativamente simples para as observações recentes.

Mas a natureza dessa matéria escura é um dos assuntos quentes da ciência. Identificá-la iria marcar a direção para uma compreensão mais profunda das leis da natureza e o sonho de Einstein de uma teoria unificada da física.

As últimas semanas viram um dilúvio de artigos tentando explicar as observações em termos como "matéria escura mínima" ou "matéria escura excitante" ou teoria do "vale escondido", e sugerindo como procurar por eles em aceleradores de partículas como o Grande Colisor de Hádrons, programado para reiniciar suas operações nas vizinhanças de Genebra no próximo verão europeu.

"Pode ser um delírio excitante, uma história incrivelmente legal," disse Nima Arkani-Hamed, do Instituto para Estudos Avançados em Princeton, Nova Jérsey, que tem produzido artigos em abundância com seus colegas. "Anomalias no céu dizem o que procurar no colisor."

Na quinta-feira, uma equipe de astrofísicos trabalhando em um dos experimentos publicou na revista Nature que um detector de raios cósmicos a bordo de um balão que contornava o Pólo Sul havia registrado um número excessivo de elétrons de alta energia e seus opostos de antimatéria, pósitrons, flutuando pelo espaço local.

As partículas podem ter sido criadas por um pulsar ainda não descoberto, a espiral magnetizada remanescente de uma explosão supernova, bombardeando o espaço próximo com campos elétricos e magnéticos. Mas, afirmam, uma explicação melhor e mais atraente para o excesso é que essas partículas estão saindo das bolas de fogo criadas pelas partículas de matéria escura colidindo e aniquilando umas às outras no espaço.

"Não podemos refutar que o sinal pode vir de um objeto astrofísico. Nem podemos eliminar a explicação da aniquilação de matéria escura com os dados atuais," disse John P. Wefel, da Universidade Estadual de Louisiana, o líder da equipe, acrescentando, "seja qual direção tomar, é muito excitante para nós."

Os resultados chegam imediatamente após um relatório, divulgado no início do outono europeu, do Pamela, um satélite construído por cientistas italianos, alemães, russos e suecos que estuda raios cósmicos. Os cientistas do Pamela declararam em conversas e na Internet que o satélite registrou um excesso de pósitrons de alta energia. Isso, afirmaram, "pode constituir a primeira evidência indireta da aniquilação de partículas de matéria escura," ou um pulsar próximo.

Antimatéria é rara no universo, então procurar por ela é uma boa forma de vasculhar fenômenos exóticos como a matéria escura.

Outro indicativo que algo estranho está acontecendo com o lado negro do universo está evidente em mapas da radiação de fundo cósmica remanescente do Big Bang. Esses mapas, produzidos este ano pela Sonda Wilkinson de Medida da Anisotropia em Microondas, mostram uma névoa que parece estar carregada de partículas pairando em volta da galáxia Via Láctea, de acordo com uma análise de Douglas Finkbeiner do Centro Harvard-Smithson de Astrofísica.

Contribuindo para a confusão e mistério, o satélite Integral da Agência Espacial Européia detectou raios gama emanando do centro da Via Láctea, sugerindo a presença de pósitrons por lá, mas com energias muito menores que as detectadas pelos experimentos do Pamela e de Wefel.

O resultado disso tudo, ou se isso tudo resulta em alguma coisa, depende de quais observações você confia e seus pressupostos teóricos a respeito da física de partículas e a natureza da matéria escura. Além disso, esforços para calcular o nível de fundo de partículas de alta energia na galáxia estão cercados de complicadas incertezas. "O sinal de matéria escura é fácil de calcular," disse Kane. "O de fundo é muito mais difícil."

A matéria escura tem instigado e obcecado astrônomos desde os anos 1930, quando o astrônomo do Caltech Fritz Zwicky deduziu que "faltava massa" para manter a cola gravitacional dos agrupamentos de galáxias. A idéia se tornou respeitável nos anos 1970, quando Vera C. Rubin, da Instituição Carnegie, de Washington, e seus colegas descobriram com o estudo do movimento das estrelas que a maioria das galáxias parecia estar cercada de halos de matéria escura.

O interesse pela matéria escura transcende a cosmologia. Os candidatos mais favorecidos para essa identidade vêm de uma teoria chamada supersimetria, que unifica três das quatro forças conhecidas da natureza matematicamente e postula a existência de um reino de partículas ainda a ser descoberto.

Elas seriam chamadas de WIMPs - partículas massivas de fraca interação - que sentem a gravidade e pouco mais, e podem passar pela Terra como o vento por uma porta de tela. Essas partículas remanescentes do Big Bang podem formar um universo paralelo se reunindo na forma de nuvens negras que então atraem matéria ordinária.

A descoberta de uma partícula supersimétrica poderia dar um impulso na teoria das cordas, a controversa "teoria de tudo," e explicaria a natureza de um quarto do universo.

Mas até agora, as matérias de partícula escura têm escapado da detecção direta em laboratório, com a exceção de um controverso experimento subterrâneo chamado Dama/Libra, siglas em inglês para Matéria Escura/Grande Massa de Iodeto de Sódio para Processos Raros, sob os Alpes Italianos, onde os cientistas alegaram em abril ter visto um efeito periódico de "vento de matéria escura" enquanto a Terra avança em sua órbita.

O céu pode ser uma história diferente. Partículas de matéria escura flutuando nos halos em torno das galáxias ocasionalmente colidiriam e aniquilariam uma às outras em pequenas bolas de fogo de radiação e partículas mais leves, segundo os teóricos.

Wefel e seus colegas perseguem brilhos no céu desde 2000, quando lançaram na Antártica um instrumento conhecido como ATIC, Calorímetro Avançado de Ionização Fina, em um balão a uma altitude de 37 km, à procura de partículas de alta energia conhecidas como raios cósmicos chovendo do espaço.

No total, eles realizaram três vôos, e precisaram passar o inverno na Estação McMurdo da Fundação Nacional de Ciências, que Wefel disse ser muito agradável. "Não é ruim até chegar uma tempestade. Você coloca sua mão para fora e não consegue enxergá-la. Então você sai e começa a retirar a neve com uma pá," ele explicou.

O artigo da Nature inclui dados dos dois primeiros vôos de balão. Ele mostra um pico, acima dos cálculos teóricos de intensidades de raios cósmicos, com energias de 500 bilhões a 800 bilhões de elétron volts, uma medida tanto de energia quanto de massa na Física. Uma forma de explicar o pico energético seria a desintegração ou aniquilação de uma partícula escura massiva. Um próton, como comparação, tem cerca de 1 bilhão de elétron volts.

Wefel observou, no entanto, que segundo a maioria dos modelos, um pulsar poderia gerar partículas com ainda mais energia, chegando a até trilhões de volts, enquanto o pico nos dados do ATIC parece ser de cerca de 800 bilhões de elétron volts. Os resultados do ATIC, ele disse, batem com os do Pamela, que registrou um número crescente de pósitrons em relação aos elétrons, mas apenas energias de até cerca de 200 bilhões de elétron volts.

Na China, onde participava de um workshop, Neal Weiner da Universidade de Nova York, que está trabalhando com Arkani-Hamed em modelos de matéria escura, disse que estava reunindo os dados do ATIC recolhidos da Web e os dados do Pamela em um mesmo gráfico para conferir se eles tinham correspondência, e aparentemente sim.

Mas Piergiorgio Picozza, professor da Universidade de Roma e porta-voz do Pamela, disse em mensagem de e-mail que era muito cedo para dizer se os experimentos batiam. Isso dependerá de mais dados que estão sendo analisados para saber se o Pamela continua a ver mais pósitrons à medida que a energia aumenta.

Além disso, como Kane apontou, o Pamela possui um imã que o permite distinguir elétrons de pósitrons - tendo cargas opostas, eles se deslocam em direções opostas no campo magnético. Mas o instrumento ATIC não incluiu um imã e não confirma se estava enxergando de fato pósitrons: nenhuma antimatéria, nenhuma matéria escura exótica, pelo menos naquelas altas energias.

Mas se ele estiver certo, Wefel disse que os dados do ATIC favoreciam algo ainda mais exótico que a supersimetria, nomeadamente, uma partícula perdida na quinta dimensão. A teoria das cordas prevê que existam seis dimensões além de nosso simples entendimento, unidas tão fortemente que não conseguimos vê-las nem estacionar nelas. Uma partícula em uma dessas dimensões não apareceria para nós diretamente.

Podemos pensar nela como um camundongo correndo em uma roda em sua gaiola. Não podemos ver o camundongo nem a gaiola, mas sentimos algo como o impacto do camundongo correndo; segundo a relatividade de Einstein, seu impulso na dimensão extra seria registrado como massa em nosso próprio espaço-tempo.

Tais partículas são chamadas de Kaluza-Klein, em homenagem a Theodor Kaluza e Oscar Klein, teóricos que sugeriram essa estrutura extra dimensional nos anos 1920 para unificar a teoria geral da relatividade de Einstein e o eletromagnetismo.

A partícula de Wefel teria uma massa de cerca de 620 bilhões de elétron volts. "Essa é a que parece se encaixar melhor," ele disse em entrevista. O surgimento de um salto abrupto nos dados, ele disse, "seria uma forte evidência" dessa partícula tão estranha.

Mas Arkani-Hamed disse que partículas Kaluza-Klein não aniquilariam umas às outras em um ritmo rápido o bastante para explicar a força do sinal do ATIC, nem outras anomalias como o nevoeiro de microondas. Ele e seus colegas, incluindo Weiner, Finkbeiner e Tracy Slatyer, também de Harvard, com base no trabalho de Matthew Strassler da Rutgers, tentaram ligar os pontos com um novo tipo de matéria escura, em que não há apenas partículas escuras, mas também "força escura" entre elas.

Essa teoria foi chamada de "um castelo maravilhoso no céu" por Kane, que disse estar contente por ter mantido Arkani-Hamed e seus colegas ocupados e distraídos para que não competissem com ele. Kane e seus colegas preferem a teoria da partícula supersimétrica de 200 bilhões de elétron volts conhecida como um bêbado que seria culpado pela matéria escura, e, nesse caso, o pico do Pamela não alcançaria energias mais altas.

Wefel disse que não acompanhou toda a teorização em torno dos experimentos. "Só estou esperando um desses modeladores dizer, 'Aqui estão os dados, aqui está o modelo," ele disse. "Veja se serve. Não sei se já vi isso antes."

Picozza disse que era trabalho dos teóricos criar modelos e que estes estavam se proliferando.

"No final da história, apenas um será aceito pela comunidade científica, mas agora é cedo demais," ele disse em mensagem de e-mail.

Desvendar tudo leva tempo, mas não dura para sempre.

Esperam-se novos resultados do Pamela no ano que vem, e os primeiros resultados do Telescópio Espacial de Raios Gama Fermi, lançado no último verão americano, deverão ser divulgados em breve. Sem mencionar o Grande Colisor de Hádrons, que no futuro colidirá prótons de 7 milhões de elétron volts. Ele está previsto para voltar a funcionar no próximo verão europeu.

"Com tantos experimentos, logo descobriremos muito mais sobre tudo isso," Weiner disse. "Em um ou dois anos, ou não estaremos mais falando disso, ou isso será tudo sobre o qual estaremos falando."

O satélite Pamela, que estuda raios cósmicos, detectou sinais do lado negro do universo
O satélite Pamela, que estuda raios cósmicos, detectou sinais do lado negro do universo

Tradução: Amy Traduções

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